BIO
A
vida e obra de Mestre Paulo Kapela têm um lugar de excepção
no contexto artístico no boom da capital de Angola. O
artista é um fugitivo no seu próprio país,
um Mukongo do Uige que veio para Luanda em 1996. Tornou-se um
mestre artístico e espiritual para a nova geração
de artistas, apesar de mal falar português, expressando-se
mais em francês. É um personagem carismático
pelo seu modo pouco ortodoxo de viver e um universo muito pessoal,
mas também pela sua forma única de produção
de arte através da combinação de objectos
díapares e até discordantes para a criação
de novos contextos.
Nos
últimos anos tem emergido no contexto da Trienal de Luanda,
e o seu trabalho foi mostrado também nas exposições
Check List - Luanda Pop e Bienal de Veneza 2007 e Luanda Smooth
and Rave em Bordéus 2009. Em 2003 foi congratulado com
o Prémio de CICIBA - Centro Internacional de Civilizações
Bantú em Brazzaville (República do Congo). Apesar
deste reconhecimento internacional, o seu trabalho apenas se
pode compreender no contexto local, ou seja, no seu ateliê
no centro da cidade de Luanda.
Encontramos
a maioria dos espaços artísticos no centro da
cidade. Exemplo disso é o edifício em ruínas
na União Nacional de Artistas (UNAP). É um dos
principais lugares de produção artística
de Luanda, com duas galerias no primeiro andar e um vários
ateliês no segundo, providenciando espaço para
alguns dos artistas locais. Os ateliês da UNAP não
são apenas lugares de trabalho para os artistas mas também
um abrigo, frequentado por amigos dos artistas para fazer uma
pausa para uma cerveja ou reunirem-se à hora do almoço
ou ao fim da tarde, refugiando-se das ruas apinhadas e quentes
de Luanda, onde o trânsito avança a passos de caracol.
Numa
parte recôndida do prédio UNAP pode-se encontrar
um espaço diferente de todos os outros, que remete para
as heterotopias de Foucault na sua peculiaridade, escondido
no meio do barulhento e lotado centro da cidade. É o
atelier do Mestre Paulo Kapela, no qual só entra quem
souber como chamá-lo numa entrada quase invisível.
Ao aceder ao seu ateliê, parece que se chega a um outro
mundo, mas também a uma espécie de igreja. Através
do telhado em destroços podemos ver parte do céu,
acentuando este ambiente único. De repente estamos num
labirinto que consiste em inúmeros objetos de diferentes
origens, como latas, brinquedos e flores de plástico.
O espaço de Kapela é preenchido por arranjos surreais
de coisas encontradas na rua, usando inimagináveis elementos
para criar representações de seu universo interior,
que combina a filosofia Bantu, o Catolicismo, o Rastafarianismo
e iconografias socialistas com um forte sentido de louvor à
cultura local. Elementos profanos, por exemplo anúncios
publicitários, são colocados ao lado de objetos
religiosos tais como crucifixos e velas. Entre as obras de arte
há muitos quadros de vários tamanhos, fabricados
ao estilo da escola de Brazzaville Poto-Poto, onde Kapela trabalhou
antes de vir para Luanda. Mas o que realmente chama a atenção
são as inúmeras colagens, retratando personalidades
da vida de todos os dias, mas também políticos
e pessoas da mídia internacional. Há trabalhos
que mostram o actual presidente de Angola Eduardo Dos Santos
junto do primeiro presidente Agostinho Neto e até do
último líder da UNITA, Jonas Savimbi. Muitas colagens
retratam o próprio artista com as mesmas características.
Em muitas delas, Kapela colocou um pequeno espelho na testa
da pessoa retratada. Esta poderia ser uma referência às
esculturas tradicionais Nkissi, também conhecidas como
fetiches do Kongo, tendo um espelho na barriga,
que dizem ativar o poder mágico. Em Luanda, é
possível encontrar essas figuras em vários ateliês
de artistas, mas a sua adopção para a cena artística
contemporânea é rara. Em trabalhos recentes de
Kapela, há também uma coroa de penas à
volta da cabeça de muitos retratados. Outro elemento
dominante de todas as suas obras são os escritos que
emolduram as colagens, citando os seus colegas artistas, bem
como outros elementos do universo pessoal de Kapela. O seu nome
aparece de várias formas: Paulo Kapela, Mestre Kapela
mas também como Papa Paulo II Kapela Baafrica Prophete
na Congo, fundindo a figura de João Paulo II com a do
próprio artista.
Kapela
avalia o seu trabalho uma questão importante no contexto
da reconciliação entre as culturas europeia e
africana e para re-lembrar e re-estruturar uma sociedade fraturada
e amputada após os anos de guerra. Ele tenta encontrar
um equilíbrio entre os elementos discordantes, le balance
entre le peixe e le maniok, como referiu ao falar sobre sua
filosofia. Assim, todo o espaço do artista pode ser considerado
uma instalação, capaz de combinar o passado e
o presente da sua vida pessoal, bem como do país. Kapela
recria esta história nas suas obras através da
sua perspectiva bem original, que combina narrativas reais e
surreais, narrando pesadelos e utopias de Luanda.
extraído
de: 'BUALA', Nadine Siegert
[obras
disponíveis de Mestre Paulo Kapela]